Esquina Perdida
Esquina Perdida
Fábio Rocha Pina
Personagens:
Animael
Clarice
(Música. Ele passa devagar pela janela. Ela olha atenta, olhos arregalados, como no dia anterior. Por um instante, ele parece ir embora, antes de voltar a bater a porta com firmeza… Ela abre, fica ao longe, enquanto ele entra abruptamente.)
Aminael – (olhos trêmulos) Quero saber teu nome, nada mais… peço muito além do que mereço?
(se aproxima, ela foge para o outro lado)
Clarice – (mãos frias) Meu nome não pode ser oferecido como queres
Aminael – (olhos trêmulos) Seu nome nada é, porque o protege?
Clarice – (mãos frias) Se nada é, porque o queres?
(abre a porta, o convidando a sair)
Aminael – (baixando lentamente os olhos) Para saber de ti…
Clarice – (caminhando lentamente até a porta) Ele nada sabe para te falar de mim… Vá…
Aminael – (farrapos) Não poderia. Quero teu nome…
Clarice – (cansaço) Se faço o que me pede, partirás?
Aminael – (farrapos) Talvez… O que ele me falará de ti?
Clarice – (cansaço) Já te disse que ele nada sabe sobre mim… (fechando a porta e sentando-se tristemente).
Aminael – (aproximando-se e debruçando a mão levemente o seu ombro) Quem o sabe? Além do teu nome que te persegue, quem mais o saberia? Conte-me…
Clarice – (levanta-se, e fixando os olhos num canto, se perde na memória.) Antes teria que sabe-lo. Mas, não conheço ninguém que poderia falar de mim, nem meu nome, nem eu o poderia… Talvez saiba agora, que me escuta, mais do que sei. Quando ao partir, quando na tua ausência em silencio e lagrima, deveria estar no abandono, a tua espera, surpreendentemente, não é o que acontece! É verdade, me deixa sozinha, mas ao tentar olhar nos meus olhos lacrimejantes, encontro somente o silencio que pretendia me fazer companhia, não estou lá, tento me encontrar, mas, não consigo. Estou ausente. Quando do teu retorno, dias e dias depois, às vezes mais, ao aproximar-se ao longe, reconheço meu rosto, me vejo ao teu lado. Quando se aproxima, sinto o meu coração surrar as paredes do meu peito, enquanto posso ver a minha imagem refletida no seu olhar. Mas logo, ao partir novamente, ao me abandonar, na confusão mental que me provoca, me leva contigo… No mesmo instante choro a tua partida, e sou carregada numa longa viagem em busca de ti! Não tenho tempo de saber quem sou. Minha alma me abandona e segue os teus passos… Me abandona! Nada sei de mim longe de ti. Pois nada sou, quando em partida, me leva além…
Aminael – (música. Ele pensa longamente) Mas… Se está sempre comigo, porque não abandonas de uma vez por todas esta triste mulher que fica em espera…
Clarice – Nada queres além de meu nome…
Aminael – (desconcertado) Mas eu não sabia… Agora eu sei que me acompanhava sempre, aqui ao lado. Agora sei que ao partir levava bem mais que teu nome. Que deixava aí, esta face, sem alma, sem vida, apenas com a máscara do teu nome, que não era além que um nome… Vem comigo, vem… Deixe que eu te mostre o que há alem dos limites da minha ausência.
Clarisse – Nada há alem de ti!
Aminael – (galante) Onde está a chuva fria, que hora nos lavava as costas com a lama que descia da escada? Onde está a corda bamba? E as cores, e os traços desajeitados? Onde estão as desverdades aceitas como ilusão? Onde está o beijo doce de perder o fôlego? E o medo do ser feliz, as ironias e os ciúmes, e o riso frouxo? E o pingüim na geladeira, onde está? Onde estão o antigo e o novo, as líricas certezas infantis? A angustia da partida matinal, e as flores e cheiro bom do reencontro? E os filmes chatos das tardes de quarta-feira, e razão mais obvia nas tolices mais imaturas? Onde está o seu afago delicado e o meu suspiro molhado? Onde se perderam nossos sonhos,o corriqueiro indispensável? E nosso amor de cada dia?
Clarisse – (abrindo a porta com firmeza) Encontrei meu amor! Estava servindo de calço para a mesa da cozinha.
Clarisse – (fechando a porta) Vem comigo, vem… Deixe que eu te mostre o que há alem dos limites da minha ausência.
Clarice – (abrindo a porta mais uma vez) Não posso, é tarde…
Aminael – (secando as lágrimas) Não, não é … ainda é cedo, o sol ainda não se deitou sobres as nuvens do horizonte…. ainda é cedo…
Clarice – Então me responda amado meu… Onde estou agora? Onde estou?
Aminael – Aqui, na minha frente, esperando que eu esqueça teu nome que ainda não sei, e a beije por todo e sempre…
Clarice – Te enganas… nada sabes…
Aminael – Como não… onde estás? Onde estás, se não aqui, amada minha…
Clarice – (gritando) A minha procura, em outro olhar, em alguma esquina perdida…
Aminael – (assustado) Não, não te entendo… juro que não…
Clarice – (lágrimas) Hoje, quando sua imagem se apresentou à mim, de forma rotineira, lhe faltada algo…
Aminael – (sem entender) O que seria? Aqui estou eu, o mesmo homem que te ama a tantos dias… o mesmo sou…
Clarice – (lágrimas) Falta a minha face na tua face… quando surgiu não me trazia contigo… Aproximou-se, mas não ouvi o meu coração surrar as paredes do meu peito, e não pude ver a minha imagem refletida no seu olhar. Onde estou eu, amado meu? Perdeu – me? Onde?
Aminael – (perdido) Não sei, mas aqui estou, e te trago em meu peito…
Clarice – (lágrimas) Me abandonaste em qual esquina?
Aminael – (perdido) Juro, juro meu amor, aqui estás…
Clarice – (lágrimas) Em qual esquina?! Em qual esquina?
Aminael – (perdido) No meu peito… no meu peito….
Clarice – (lágrimas) Em qual esquina?
(música. Luz forte. Ele fecha porta com força)
Aminael – (ira) Quero saber teu nome, nada mais… peço muito além do que mereço?
Clarice – (dor) Meu nome não pode ser oferecido como queres!
Aminael –(ira) Seu nome nada é, porque o protege?
Clarice – (dor) Se nada é, porque o queres?
Aminael – (cai de joelhos. Lágrimas) Para saber de ti…
Clarice – Ele nada sabe para te falar de mim… Vá…
( Música. Ele sai se levanta, e sai lentamente por um lado, carregando a luz que também abandona a cena. A luz que aina permanece, em foco, ilumina Clarice, que cai pesadamente no chão, aos prantos…)
Clarice – Em qual esquina? Em qual esquina perdida?
(A luz cai lentamente. Pano)